Abaixo, o artigo do acadêmico Wanderley de Souza, professor titular da UFRJ, ex-presidente e diretor da Finep,
membro da Academia Brasileira de Ciências e da Academia Nacional de Medicina, publicado originalmente no jornal Correio Braziliense.
Pelo que é noticiado, autoridades do novo Ministério da Economia, sobretudo as que integram a Secretaria de Desestatização, têm atuado como caçadores em busca das empresas e instituições públicas que possam ser extintas, fundidas ou privatizadas. Cabe alertar que, nos dias atuais, poucos irão defender a permanência de instituições públicas em áreas onde o setor privado possa atuar de forma mais hábil, sobretudo aquelas que são ineficientes e dependentes do Tesouro. No entanto, existem instituições que desempenham papel estratégico no desenvolvimento nacional e precisam ser preservadas e transformadas em instituições de Estado, e não de governo, ficando imunes à sanha dos ávidos por cargos a serem ocupados por amigos ou apoiadores.
Destaco aqui a maneira deselegante com que o senhor Salim Mattar, secretário de Desestatização do Ministério da Economia, apontou suas baterias contra as instituições e empresas vinculadas ao Ministério de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCtic). Com veemência, reclama da natural resistência oferecida pelo MCtic à sanha demolidora da Secretaria de Desestatização. Segundo entrevista concedida à revista Veja (3/4) uma das empresas a ser privatizadas ou fechadas seria a Finep. Ora, a simples menção a essa instituição, responsável pela criação, consolidação e manutenção da infraestrutura científica hoje existente no país, deixa claro que a equipe encarregada do processo de desestatização não tem feito o dever de casa corretamente. Um equívoco tão grande nos leva a desconfiar de outras propostas que vierem.
A Finep foi criada em 1967, durante o governo do general Artur Costa e Silva, com importante participação dos economistas João Paulo dos Reis Veloso e José Pelúcio Ferreira. Desde então, atua em pelo menos cinco áreas importantes para o desenvolvimento científico, tecnológico e industrial do país. Primeiro, apoia a infraestrutura científica, com recursos não reembolsáveis provenientes do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), que permitiu construir e equipar centenas de laboratórios de pesquisa hoje existentes nas universidades e instituições de todo o país. É a única agência de financiamento à CT&I que atua neste campo. A partir de 2003, aplicou cerca de R$ 5 bi em 59 universidades federais, R$ 1,5 bi em 30 universidades estaduais e R$ 400 milhões em 33 instituições privadas sem fins lucrativos.
Segundo: o apoio à criação de parques tecnológicos, procurando integrar as instituições acadêmicas com o setor produtivo (exemplos incluem o Polo Digital de Recife, a Incubadora Tecnológica de Campina Grande, o Parque Certi-Sapiens de Florianópolis, o Parque Tecnológico da UFRJ, Parque de São José dos Campos, PUC-RJ e PUC-RS, InovaUnicamp, entre outros). Em terceiro lugar, vem apoiando com recursos não reembolsáveis as micro e pequenas empresas inovadoras, atuando de forma descentralizada e repassando recursos de subvenção econômica para as fundações estaduais de amparo à pesquisa de todas as unidades da Federação. São recursos não reembolsáveis que incentivam a inovação tecnológica.
Além disso, mediante operações de crédito em condições especiais, dá apoio a médias e grandes empresas inovadoras, atuando desde a área da aviação comercial (Embraer), agricultura (Embrapa, GranBio, Cosan, Braskem) até a área farmacêutica (vacinas, kits diagnóstico, medicamentos), entre outros setores. Cabe ressaltar que a Finep tem uma carteira de empréstimo da ordem de R$ 31 bilhões, operando recursos originários do FNDCT, Funtel, FAT e um recente empréstimo do BID de US$1,5 bilhão. Enfatizo ainda que a Finep é uma empresa pública não dependente do Tesouro: o salário dos empregados e as despesas administrativas são cobertas por recursos da empresa.
A Finep é reconhecida no cenário internacional como a única agência de fomento que atua em todas essas áreas e com presença marcante em todos os estados. Compará-la com apenas uma das agências que atuam em Israel (Israel Innovation Authority), com quem a Finep tem acordo de cooperação, é desconhecer o que se passa no Brasil e no mundo. O diagnóstico erra até quanto ao número de empregados (629, não 826). A título de exemplo, apenas a National Science Foundation, dos Estados Unidos, conta com três vezes mais empregados. A menção à Finep pelo responsável pelo programa de desestatização do governo federal é descabida e repelida com veemência pela comunidade científica brasileira.
(Wanderley de Souza, originalmente publicado no Correio Braziliense em 29/4/2019)