Seu navegador no suporta java script, alguns recursos estarão limitados. A ciência e o hábito de deixar tudo para a última hora
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Estudo busca explicar por que universitários adiam tarefas mesmo sabendo
o efeito prejudicial dessa conduta

O dicionário define o verbo procrastinar como a ação de deixar tarefas para mais tarde ou outro dia, como sinônimo de adiar, delongar, postergar. Por mais organizado e responsável que qualquer um de nós seja, esse termo fez (ou ainda faz) parte de nossas vidas. No dia a dia dos estudantes universitários, por exemplo, o fenômeno é recorrente: a procrastinação os acompanha como a própria sombra. Doutoranda em Psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Gabriela Ballardin Geara, agarrou-se ao tema e foi atrás de embasamentos científicos para esse padrão de comportamento. O resultado está no estudo Consequências negativas da procrastinação acadêmica: construção de um instrumento e evidências de validade, sua dissertação de mestrado que corrobora as principais pesquisas internacionais e indica que 82% dos universitários entrevistados admitem procrastinar tarefas acadêmicas com alguma frequência.

O hábito de procrastinar é tão incorporado à rotina das pessoas que mesmo quem mantém a regularidade dos prazos no trabalho ou nos estudos acaba cedendo em outros aspectos. Gabriela, por exemplo, reconhece que mesmo conhecendo a fundo o fenômeno e tentando ao máximo mantê-lo sob controle, dá suas escapadas. “Uma vez, meu orientador perguntou por que estudo procrastinação se não procrastino. Respondi que não procrastinava as tarefas acadêmicas, mas que ele não imagina o esforço que faço para ir às aulas de ginástica uma vez por semana”, brinca a pesquisadora. Estudiosa da ciência do deixar para amanhã o que você pode fazer hoje, Gabriela explica seguir os principais contornos da questão.

Uma descrição científica

"A psicologia apresenta definições diferentes para a procrastinação, dependendo da linha e abordagem teórica utilizada. De modo geral, podemos dizer que é uma falha no processo de autorregulação, ou seja, é uma falha que ocorre quando tentamos nos organizar para fazer algo. No caso da procrastinação, essa falha na gestão de nossos comportamentos, pensamentos e sentimentos costuma gerar um adiamento não-estratégico da realização do objetivo ou da tarefa inicial — mesmo sabendo que trará consequências negativas. A psicóloga alemã Katrin Klingsieck, especialista no assunto, define a procrastinação como o ‘adiamento voluntário de uma atividade pretendida, necessária e com importância pessoal, apesar de o sujeito esperar potenciais consequências negativas que superariam as consequências positivas desse adiamento."

As explicações da psicologia

"Existem diversos fatores que aumentam a probabilidade de uma pessoa procrastinar. Um é a percepção de que a tarefa que precisa ser realizada é muito aborrecida, desinteressante ou inútil. Outro ponto importante é a ideia de que a tarefa é muito difícil ou que está acima de nossa capacidade. Há ainda a preocupação excessiva com o nosso desempenho, ligada ainda a altos padrões de exigência para a realização da tarefa (perfeccionismo e crítica exagerada). Também contribuem a dificuldade na tomada de decisões e na resolução de problemas, o cansaço físico e mental, o medo do que os outros vão pensar, a dificuldade de planejamento, de organização e de concentração. Ou seja os motivadores são muitos."

Oito em cada dez universitários deixam tudo para a última hora

"Os resultados da minha pesquisa foram semelhantes aos achados de estudos internacionais. O levantamento feito com 499 universitários mostrou que 82% dos participantes procrastinam tarefas acadêmicas com alguma frequência — a literatura da área mostra que entre a população, em geral, há entre 20 a 25% de procrastinadores contumazes. Entre quatro tarefas acadêmicas (estudo de rotina, estudo para provas, realização de trabalhos e realização de exercícios), solicitou-se que os estudantes assinalassem somente aquela em que mais procrastinavam. A tarefa ‘estudo de rotina’ foi indicada por 40 %; em seguida, a tarefa ‘fazer trabalhos’ foi assinalada por 25 % dos estudantes, enquanto 23 % afirmaram que procrastinam mais a tarefa ‘realização de exercícios’. Os demais estudantes (11%) indicaram a tarefa ‘estudar para provas’ como a mais procrastinada. Não foi identificada uma diferença estatisticamente significativa entre os sexos."

Os motivos de tantos adiamentos

"De modo geral, o motivo mais relatado para a procrastinação foi preguiça, que pode ser entendida como reflexo de uma baixa motivação para a realização da atividade. Em relação à tarefa ‘fazer trabalhos’, o principal motivo indicado foi cansaço e falta de energia para começar a tarefa. Logo após a preguiça e o cansaço, a falta de tempo surge como terceiro motivo mais alegado para a procrastinação de tarefas acadêmicas. Essa falta de tempo pode estar relacionada a fatores como dificuldade de planejar e de priorizar tarefas, sobrecarga de trabalho e percepção distorcida do tempo necessário para a realização da tarefa. Portanto, a falta de tempo pode ocorrer em função de uma má gestão do tempo. Não gostar de realizar a tarefa surgiu como o quarto motivo mais alegado para procrastinação acadêmica."

O impacto do excesso de estímulos, da pressão por resultados e mudanças constantes

"Considerado como uma dificuldade de organização e de planejamento, é bem provável que a procrastinação esteja presente desde o início da história da humanidade. No entanto, esse fenômeno ganha destaque nos estudos acadêmicos justamente porque sua frequência e consequências têm sido muito nocivas para a vida dos estudantes. A procrastinação pode nos prejudicar em todos os âmbitos da vida. O ritmo de vida contemporâneo caracterizado por alto nível de estimulação mental, forte pressão por produtividade, mudanças constantes e crises globalizadas pode impactar no nível de ansiedade, de depressão e de concentração das pessoas. Quanto mais ansiosos, tristes, preocupados, inseguros e desconcentrados estivermos, maior é a probabilidade de termos dificuldades de gerir nossas vidas e seus imprevistos. Com isso, as chances de procrastinarmos aumentam consideravelmente."

Procrastinamos o estudo de nossa própria procrastinação

"A maior concentração de estudos internacionais ocorreu a partir da década de 1970, enquanto os estudos nacionais começaram a surgir na década de 1990. Talvez o Brasil estivesse procrastinando o estudo de sua própria procrastinação. De modo mais expressivo, percebemos um aumento do número de publicações científicas sobre o tema a partir do ano 2000, tanto nacional como internacionalmente. Eu comecei a estudar a procrastinação acadêmica ainda na minha graduação, em 2012. Meu interesse surgiu a partir do diagnóstico de que o fenômeno era muito frequente e prejudicial dentro do contexto universitário, mas ainda havia poucos estudos sobre o tema. Além disso, considerei que o volume e a qualidade das pesquisas internacionais sobre procrastinação eram muito maiores. Acreditei que seria interessante investir nessa área de estudo, pois esse conhecimento é útil não só à ciência brasileira, mas à vida dos pesquisadores e à dos estudantes."

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O hábito de procrastinar pode ser combatido com medidas simples,
como, por exemplo, deligar o celular

Como enfrentar o problema

"Precisamos entender onde está ocorrendo a falha no processo de autorregulação. Se forem falhas por aspectos emocionais, a pessoa pode procurar acompanhamento psicológico para lidar com sua ansiedade e perfeccionismo, assim como pode valer-se de atividades que lidam com o manejo de nossas emoções, como meditação, yoga, mindfulness, exercícios de respiração. Se as dificuldades forem cognitivas como dificuldade de planejamento, de concentração, vale a pena procurar auxílio psicológico ou pedir ajuda para um professor ou orientador educacional para planejar melhor seus estudos — ou inclusive utilizar aplicativos que auxiliem na definição de prioridades e na gestão do tempo. Se as causas da procrastinação tiverem relação com aspectos físicos, é importante que a pessoa busque apoio profissional adequado e mantenha uma rotina de sono e de alimentação saudável. Muitas vezes, precisamos priorizar algo e temos que aprender a abrir mão ou delegar o restante. É importante reconhecermos nossos limites para não os extrapolarmos. Se a dificuldade for em função de distração social, o caminho começa ao se desligar o celular para conseguir se concentrar. Existem pessoas que, quando estão realizando uma tarefa em boa companhia, conseguem render mais. Uma opção para elas seria estudar ou fazer um trabalho em companhia de colegas com maior capacidade foco e concentração. Um pouco de procrastinação parece ser até inevitável, mas quando os impactos negativos forem muito significativos, é importante entender que existem meios de superar o problema ao adotar novas formas de realizar suas tarefas."