De forma simples, startups são empresas nascentes que buscam satisfazer seus clientes por meio da entrega de produtos, serviços ou modelos de negócios inovadores. Tais empresas têm promovido uma enorme revolução em suas indústrias, mudando a dinâmica do mercado, as vidas das pessoas e das cidades onde estão instaladas. Companhias como como a chinesa Alibaba, o Uber e o brasileiro Nubank, são apenas três casos clássicos. O indiscutível impacto sócio-econômico observado nas principais economias do mundo tem levado governos a adotar políticas e programas de incentivo ao surgimento e desenvolvimento de tais empresas com objetivo de gerar novos produtos e serviços, aumento do emprego, renda e produtividade. Singapura e Israel são alguns dos exemplos bem-sucedidos do apoio ao desenvolvimento de novos negócios inovadores e de uma cultura empreendedora.
O Brasil também tem avançado significativamente no fortalecimento de seu ecossistema empreendedor, desde a evolução das instituições de apoio a startups, como aceleradoras, incubadoras e parques tecnológicos, passando pela evolução do ambiente regulatório, incentivo ao empreendedorismo com maior tolerância ao erro e reconhecimento social, e um ambiente econômico mais propício ao investimento em startups, seja por meio do investimento-anjo, pela captação via plataformas de crowdfunding, corporate ventures ou através de fundos de seed e venture capital. Todavia, a despeito desta reconhecida evolução no ecossistema empreendedor brasileiro, há uma lacuna importante no apoio a uma fase crucial do desenvolvimento de uma startup. É a etapa chamada Vale da Morte, dado o elevado números de negócios que sucumbe neste estágio, caracterizado pelo momento onde a startup demanda maiores investimentos e ainda não é capaz de produzir caixa para ancorar sua necessidade de crescimento.
A solução para o problema é captar de recursos de fontes externas, dispostas a tomar o risco característico do processo de inovação. Todavia, no Brasil existe um grande gap no financiamento a startups. No país, os investidores-anjo possuem um perfil de investimento médio de R$ 100 mil, enquanto um fundo de seed capital, alternativa disponível para captações maiores, costuma realizar investimentos entre R$ 3 milhões e R$ 5 milhões. Plataformas de crowdfunding são alternativa para captações de, em média, de até R$ 500 mil. Apesar de apresentar números que parecem robustos individualmente, esse é um movimento muito incipiente no Brasil.
A despeito da importância vital dos investidores-anjo para o desenvolvimento do ecossistema nacional de startups, sua restrição orçamentária em geral limita o seu apoio ao estágio de desenvolvimento de protótipo, versão beta, testes, comercialização de lotes pilotos ou provas de conceito (os POC, segundo a sigla em inglês). Estas fases normalmente concentram um elevado grau de incerteza, especialmente sobre a viabilidade da inovação proposta. Com apetite pelo risco, os investidores-anjo conseguem negociar melhores condições de investimento nas empresas neste estágio e, consequentemente, ampliarem suas expectativas de retorno. No entanto, para alcançar o crescimento acelerado esperado que praticamente definem as startups, tais negócios demandam maior investimento para dar escala às suas soluções, fruto normalmente de um grande esforço de pesquisa e desenvolvimento.
Outro complicador diz respeito ao fato de muitas empresas iniciantes não estarem preparadas para receberem aporte de capital de um fundo de investimento, seja por elevado risco no desenvolvimento do produto ou serviço que pretendem lançar como por incerteza na receptividade do mercado pela nova solução e na capacidade dos empreendedores em levá-la adiante. É exatamente neste momento que se faz necessário um programa como Finep Startup, por meio do qual a Finep apoia com investimento de até R$ 1 milhão startups que já possuam no mínimo um protótipo com viabilidade comercial comprovada. O aporte de recursos se dá por meio de um contrato de opção de compra de participação no capital, através do qual o investidor adquire o direito de se tornar sócio da empresa no futuro. Esse contrato transforma a Finep em uma potencial acionista da empresa — e com isso compartilha integralmente com o empreendedor o risco da atividade inovadora.
A experiência da Finep aponta que, geograficamente, há uma expressiva concentração de busca por financiamento nas regiões e sudeste e sul– com respectivamente 55% e 26% das propostas recebidas nas das etapas do primeiro edital do programa Finep Startup, lançado em junho de 2017. Tal concentração é superior à do PIB, que gira em torno dos 70% nestas regiões e revela a necessidade de políticas de fomento ao empreendedorismo nas regiões norte, nordeste e centro-oeste, especialmente nos estágios mais iniciais de desenvolvimento, conhecidos na literatura como fase de ideia e formação.
Nestes estágios as startups concentram seus esforços no desenvolvimento e ajustes necessários à sua oferta, identificação de mercado-alvo, parceiros, distribuidores e concorrentes, validação com clientes e desenvolvimento de um plano de negócios viável. O fortalecimento das instituições de apoio local e o estímulo à cultura empreendedora tornam-se vitais para a produção de massa crítica. Cabe destaque aqui para o desempenho de Pernambuco, que possui em Recife um dos mais reconhecidos ecossistemas empreendedores do Brasil. Dentre as 50 propostas finalistas no primeiro edital do Finep Startup, dos 16% que não estão nas região sul e sudeste, Pernambuco responde por 10%.
Um indicador a ser observado nas estatísticas compiladas a partir do Finep Startup é o predomínio de projetos nas áreas de internet das coisas (IoT), educação, serviços financeiros digitais (fintech) e tecnologia aplicada à agricultura entre as propostas. Tal cenário sugere que há relativa estrutura de suporte, disponibilidade de apoio e demanda para os temas com maior taxa de sucesso de aprovação, fazendo com que tais proposta sejam submetidas ao programa com maior grau de maturidade. Além disso, para maioria dos temas citados, estão presentes com frequência características desejáveis no investimento em startups, como a possibilidade de oferta de soluções repetíveis, escaláveis e capazes de gerar receitas recorrentes.
A visibilidade alcançada pelo Finep Startup nos últimos doze meses, somada aos mecanismos de estímulo ao investimento privado propostos pela agência, fizeram com que investidores-anjo se comprometessem a aplicar novos recursos nas startups selecionadas. A preocupação da agência em atrair parceiros privados para investimentos fundamenta-se em dois pilares. O primeiro é avançar além da concessão de recursos públicos na etapa do Vale da Morte, atraindo a atenção do mercado para possibilidade de geração de valor neste estágio. O segundo, é agregar conhecimento e experiência dos investidores privados ao negócio no qual participam.
Ainda que os resultados até aqui sugiram que o programa Finep Startup tenha abarcado um perfil de negócios para qual a demanda de capital é crucial para continuidade das operações e desenvolvimento, sabe-se que ainda há muito o que se fazer. Para que tenhamos um ecossistema de empreendedorismo e inovação capaz de produzir os resultados sócio-econômicos observados nas principais economias do mundo é preciso investir na construção de uma nova dinâmica competitiva e disseminação de uma cultura baseada em novos valores, como criatividade, tolerância ao erro, conhecimento e responsabilidade. São tais condições que norteiam o desenvolvimento de novas tecnologias, geração de empregos, aumento da produtividade e crescimento econômico apresentado nos grandes centros de inovação do mundo. Outro fator fundamental é que haja perenidade das ações de fomento, para que os empreendedores tenham previsibilidade das alternativas de captação disponíveis nos seus diferentes estágios de desenvolvimento.
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Artigo de Raphael Braga, da Área de Empreendedorismo e Investimento da Finep