Vista noturna de Tel Aviv: polo de inovação global
Com apenas 8,5 milhões de habitantes, Israel é considerado o país mais inovador do mundo. A nação apresenta mais empresas listadas na NASDAQ do que qualquer outro país, excetuando-se Estados Unidos e China, possui o maior nível de investimento em pesquisa e desenvolvimento (P&D) em relação ao PIB e o maior número de cientistas, engenheiros, patentes médicas e profissionais em tecnologia em termos per capita. Além disso, Israel possui o maior número de startups per capita, e o maior mercado mundial de venture capital (VC) em relação ao PIB, superando até os Estados Unidos. Tal performance, avassaladora, suscita imediatamente a pergunta: o que torna Israel, com um território de tamanho equivalente ao do estado de Sergipe, de vegetação predominantemente desértica, sem fontes de água suficientes para a sua população e envolvido em contínuos conflitos territoriais com vizinhos, tão inovador?
A resposta certamente passa pelas próprias dificuldades enfrentadas pelo país, associadas a massivos investimentos em pesquisa e inovação. Falta água? Israel se tornou líder mundial nas tecnologias de dessalinização e hoje 60% da água potável do País vem do Mar Mediterrâneo, a partir de uma tecnologia disruptiva para isso e exportada para mais de 40 países, entre eles os Estados Unidos. É preciso se defender de ataques hostis vindos de todas as redondezas do Oriente Médio? O estado judeu tem como prioridade os investimentos no setor de defesa (é o país que mais aplica na área como proporção do PIB, 4,7%) e desenvolveu significativas tecnologias militares, muitas das quais acabaram sendo adaptadas para finalidades civis, o que o torna líder em segurança cibernética, veículos autônomos, agricultura e saúde digitais.
Plantação na região de Eilat: agricultura irrigada em pleno deserto
Em Israel, todos os jovens aos 18 anos devem servir nas Forças Armadas. Os homens passam ao menos três anos à disposição do Exército, Marinha e Aeronáutica, as mulheres pelo menos dois. As mentes mais brilhantes são pinçadas para as áreas estratégicas A principal delas é a Unidade 8200, que cuida da inteligência e cibersegurança. Ali, os jovens recebem treinamento de elite e adquirem experiência na utilização e no desenvolvimento de tecnologias. É o que leva muitos especialistas em desenvolvimento de C&T considerar a Unidade 8200 como a maior máquina de criar startups do mundo. A estimativa é de que mais de mil empresas tenham sido criadas só por ex-integrantes dessa unidade. A lista inclui nomes de atuação global como Waze, Wix, Check Point (inventora do firewall) e a Mirabilis (criadora o ICQ).
O rigor do serviço militar associado a ensino superior extensivo e de qualidade (Israel é o 2º país com maior percentual de adultos com formação universitária) acabam gerando uma avalanche de recursos humanos altamente qualificado ao mercado de trabalho, o que atrai a atenção de gigantes da tecnologia mundial como HP, Intel, IBM, Cisco, Huawei e Microsoft. Cerca de 300 multinacionais mantêm no país centros de P&D, o que as torna responsáveis por mais da metade dos investimentos em pesquisa e desenvolvimento em Israel. Em nenhum outro país do mundo empresas estrangeiras investem tanto em P&D em relação ao tamanho da economia.
Outro segredo israelense é a boa cooperação entre instituições de pesquisa públicas e empresas. O país é apontado como o terceiro no mundo neste quesito de acordo com os dados do Global Innovation Index 2018. Os escritórios de transferência de tecnologia (TTOs na sigla em inglês) são referência mundial no assunto e provêm uma importante ponte para conectar projetos early-stage de pesquisadores com investidores e com possíveis parceiros do setor empresarial. Os TTOs israelenses são considerados mais ágeis nesta tarefa do que suas contrapartes no mundo. E o motivo para isso é que, enquanto na maior parte dos países os TTOs são públicos e geridos por professores universitários, em Israel, eles são privados, geridos principalmente por profissionais do mercado financeiro—e possuem fins lucrativos.
O modelo israelense coleciona políticas públicas bem-sucedidas. É o caso do Yozma Program, estabelecido em 1993, e que é considerado um dos principais responsáveis pelo desenvolvimento do segmento de venture capital no país. Como resultado direto do programa, o mercado de VC israelense passou de um volume de US$ 58 milhões em 1991 para US$ 3,3 bilhões em 2000. Além disso, o país possui programas que visam desenvolver novas empresas, a exemplo do Technological Incubators, Early Stage Funds, Innovation Labs (TNUFA). Estas ações, organizadas de maneira perene e contínua e sem cortes orçamentários, garantem os incentivos necessários para a elevação dos investimentos privados.
Panorama de Jerusalém: investimento continuo e consistente do governo em P&D
A excepcional performance de Israel em inovação transforma o país em uma das maiores apostas não apenas para o presente, mas especialmente para o futuro. Há 50 anos, tentou-se desenvolver ali, sem sucesso, uma indústria automobilística própria. O resultado ruim se deveu principalmente à exigência de grande escala para se obter ser competitividade. Nos dias de hoje, entretanto, a tecnologia tem revirado a indústria de veículos em escala planetária. Já é factível um cenário em que 85% do valor agregado de um automóvel virá de softwares e sensores embarcados. E Israel é um dos líderes nessas áreas. A israelense Mobileye, uma das empresas mais inovadoras no segmento de direção autônoma, foi recentemente comprada pela Intel por mais de US$ 15 bilhões, e o Waze, tornou-se parte do Google pelo valor de US$ 1,15 bilhão. Ao todo, há mais de 500 empresas no país focadas em mobilidade inteligente. O objetivo do governo é, agora, transformar o país em um dos principais players no setor automotivo mundial, mesmo não produzindo um carro sequer.
Mesmo tendo um pequeno território, predominantemente desértico, Israel deverá ser um dos principais players no agronegócio, uma vez que tem desenvolvido tecnologias digitais essenciais para aumentar a produtividade agrícola e pecuária. A promessa é que tais descobertas revolucionem a forma de se produz no campo. Dessa forma, assim como o americano Uber tem receitas com milhões de corridas ocorridas em cidades tão distantes e diversas entre si, como como Mumbai, na Índia, e Cidade do Cabo, na África do Sul, as empresas em Israel terão boa parte de sua receita proveniente de participações e dos lucros na produção de países completamente distintos. Esta é uma realidade que já vem ocorrendo.
O país também desponta como vanguardista na revolução da área da saúde. E a receita é a mesma: ampla especialização no tripé que guia a revolução tecnológica mundo afora, incluindo o Brasil, formada por big data, inteligência artificial e conectividade. Israel já é líder no desenho e codificação de prontuários digitais, que permite aos médicos localizarem e armazenarem informações instantaneamente sobre os pacientes e que em breve poderá prever com grande acurácia as tendências de patologia de cada indivíduo. Hoje 98% da população de Israel já tem um prontuário assim. São justamente aplicações como essa que nos mostra como o investimento em tecnologia e inovação é a chave para o desenvolvimento de qualquer sociedade e para a superação das adversidades. Seria muito útil aos governantes brasileiros prestar a atenção—e copiar o máximo possível—esta receita.