Foto: Waldemir Barreto/Agência Senado
A Comissão de Ciência e Tecnologia (CCT) do Senado Federal realizou nesta terça-feira, 12 de junho, uma Audiência Pública em Brasília para avaliar o papel da Finep como gestora do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), uma das principais fontes de financiamento à área de ciência, tecnologia e inovação (CT&I) no país.
O objetivo do debate, que integra o plano de trabalho de avaliação de política pública da comissão em 2018, foi levantar os impactos positivos já alcançados pela Finep e identificar as principais dificuldades enfrentadas pela empresa na condição de secretaria executiva do FNDCT. “Para que continuemos prestando bons serviços à sociedade brasileira, é preciso haver mudanças no fundo”, defendeu o presidente da Finep, Marcos Cintra.
Ao abrir as discussões, o senador Otto Alencar, presidente da CCT, afirmou que o Brasil não está dando oportunidades para que grandes mentes desenvolvam pesquisa e inovação, em alusão aos cortes orçamentários sofridos pelo FNDCT nos últimos anos. Para 2018, o governo federal autorizou a execução de apenas R$ 600 milhões dos R$ 4,5 bilhões arrecadados pelo fundo.
“É uma tragédia anunciada”, lamentou Fernanda Sobral, conselheira da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e ex-integrante do Conselho Consultivo da Finep. “O país não pode prescindir da contribuição do FNDCT para as universidades e instituições de pesquisa públicas”.
De acordo com o presidente do CNPq, Mario Neto Borges, o Brasil forma cerca de 20 mil mestres e doutores por ano, cujos projetos demandam fluxo constante de recursos. “Quando há dinheiro disponível, os pesquisadores brasileiros são capazes de criar as soluções”, disse. Quem também compartilha essa visão é o presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC), Luiz Davidovich. Segundo ele, o FNDCT, sob a gestão financeira da Finep, está por trás dos grandes casos de sucesso da ciência nacional, como a Embrapa, a Petrobras e a Embraer.
“A produtividade da soja no país aumentou pelo menos quatro vezes nas últimas décadas graças a pesquisas feitas na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro e na Embrapa pela cientista brasileira Johanna Döbereier. Sua solução substituiu os adubos nitrogenados, o que nos proporciona atualmente uma economia de US$ 13 bilhões por ano. Se hoje o Pré-Sal corresponde a mais de 50% da produção de petróleo do Brasil, muito se deve a investimentos públicos em pesquisa e desenvolvimento (P&D) no setor”, destacou.
Para ele, o quadro atual, no entanto, é de total ausência de uma agenda nacional de desenvolvimento. “A equipe econômica do governo brasileiro diz que devemos nos sacrificar em razão do ajuste fiscal, mas os cortes lineares em todos os setores da economia demonstram não há prioridades para o país”, criticou. Enquanto em 2010 o FNDCT contou com R$ 4,1 bilhões para ações não reembolsáveis (aquelas cujos recursos não precisam ser devolvidos ao financiador), em 2017, o montante caiu para R$ 920 milhões, uma redução da ordem de 80%.
Num caminho inverso ao brasileiro, Davidovich lembrou que, este ano, o presidente norte-americano, Donald Trump, enviou ao congresso dos EUA o orçamento do país com a previsão de cortes na área de CT&I. A medida foi alvo de uma reação suprapartidária: os congressistas não só rejeitaram a redução, mas também aumentaram o investimento no setor em US$ 20 bilhões.
Desafios e possíveis caminhos para a recuperação do FNDCT
A arrecadação de R$ 4,5 bilhões em 2018 aponta que não faltam receita nem recursos financeiros para o FNDCT. “O que não há é limite de empenho”, explicou o diretor-presidente do Conselho Técnico-Administrativo da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), Carlos Américo Pacheco.
Pacheco mostrou que os recursos do fundo são provenientes de três fontes: recursos ordinários do Tesouro, recursos de juros e amortizações pagos pela Finep por empréstimos a empresas inovadoras com recursos do FNDCT e arrecadação dos diversos fundos setoriais, criados a partir de 1997 para acabar com a instabilidade financeira do FNDCT. Segundo ele, o MCTIC se apropriou das verbas dos fundos setoriais para outras finalidades nos últimos anos. O quadro configuraria a descaracterização desses fundos.
“Ações transversais, equalização de juros, CT-Infra e subvenção representaram 95% do orçamento executado do FNDCT em 2017. Menos de 5% foram para ações setoriais. Não há como falarmos mais em fundos setoriais”, argumentou. O diretor da Fapesp defende uma agenda de reforma do FNDCT que passa por três pontos: reestruturação dos fundos setoriais (como simplificação e redução para apenas cinco fundos – hoje há mais de dez), busca por maior impacto das aplicações (menor pulverização e proibição do uso indiscriminado dos fundos para qualquer despesa) e mobilização de novos recursos (como aportes do Fundo Social e a transformação do FNDCT em fundo financeiro).
Segundo projeções da Finep, se o FNDCT tivesse natureza financeira (quando o saldo vira patrimônio ao fim de cada ano em vez de retornar ao Tesouro), e a parcela não utilizada desses recursos desde 2001 tivesse sido remunerada a Taxa de Juros de Longo Prazo (a chamada TJLP, atualmente fixada em 6,6%), o FNDCT contaria com um ativo total de R$ 36,5 bilhões – tornaria-se, portanto, autossustentável. Além da ABC e da SBPC, o Conselho das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa (CONFAP), representado na Audiência por sua presidente, Maria Zaira Turchi, também é a favor da medida.
As mudanças no FNDCT poderão ser concretizadas por meio da PLS 315/2017, em tramitação no Senado. Além da transformação da natureza do fundo, o projeto de lei veda a limitação de empenho e movimentação financeira das despesas relativas à inovação e ao desenvolvimento cientifico e tecnológico custeadas pelo FNDCT. Em curto prazo, o senador Jorge Viana sugeriu a apresentação de uma emenda impositiva à Lei de Diretrizes Orçamentárias em nome da CCT para garantir mais recursos para o setor de ciência, tecnologia e inovação.